Metallica: a regressão técnica de Lars Ulrich
Em 1991 duas bandas dominavam o mundo: Metallica
e Guns n´Roses. O grupo de James Hetfield lançara o pesado e lindo
“Metallica” (carinhosamente cunhado pelos fãs do Black Album e aqui no
Brasil também apelidado de “pretinho”), uma porrada de sonoridade levada
à perfeição, com melodias até hoje exaltadas por qualquer fã de rock. O
disco que trazia hits (isso mesmo que você leu) como “Enter Sandman” e
“The Unforgiven” parecia ser o êxtase criativo de uma banda que começara
sua trajetória executando um thrash metal trabalhado, diversificado e
com bastante crítica social. Um disco por assim dizer OBRIGATÓRIO na
coleção do headbanger ou de um fã de música de qualidade.
A banda de Axl Rose vinha de dois discos clássicos presentes em qualquer lista de ‘mais mais’ que se pode eleger: Appetite for Destruction
(1987) e a compilação GNR Lies que tinha quatro músicas inéditas,
dentre elas “Patience”, hit que iria estourar nas rádios e foi até parte
de trilha de novela global. Use Your Illusion, o disco duplo lançado
em separado, tornaria o que era GRANDE em MEGA; o grupo excursionaria
pelo mundo. Além de grandes canções, o jeito rock and roll de ser de
Axl, chamaria a atenção da imprensa, que iria idolatrar e fomentar a
fama de encrenqueiro do músico.
O alcance que o GNR obteve naquele momento talvez tenha sido uma das maiores de todos os tempos, mas o Metallica,
mais do que fama e consolidação, conquistou o coração de muita gente
que ficou impressionada como uma banda com som sujo, de discos como
“Master of Puppets” e “Kill em All”, poderia compor pérolas melodiosas
como “Wherever I May Roam” (uma das melhores músicas compostas no heavy
metal) e “Sad But True”.
A revista Bizz de 1991 que estampava o quarteto americano, dizia com detalhes do trabalho
de produção do “Black Album”. Em várias linhas se lia as palavras
“perfeccionismo técnico”, “canções” e “repetição”. Nesta mesma edição, o
repórter enviado faz um revelação que colocaria de cabeça pra baixo
qualquer músico ‘do it yourself’ de hoje em dia: o som de bateria só
teria chegado ao nível desejado de seu músico, Lars Ulrich, após 8 meses
de escolhas de timbragens, mexidas e re-gravações. O disco que fora
gravado entre Outubro de 90 e Junho de 1991 iniciava com o petardo
“Enter Sandman” e que trazia um clip soturno como o som e ambicioso como
o disco.
Além da envolvente parede de guitarras casadas
entre Hetfield e Hammet (é inconclusivo falar sobre o som do baixo de
Newsted nos discos da banda, sem um bom fone de ouvido e bons graves…), o
que chamava atenção era a bateria quebrada, pesada e ‘gorda’ de Lars
Ulrich. Uma verdadeira massa sonora, forte, levando o bumbo ao coração
de quem gosta de MUITO peso. Para o ouvinte de Metallica, a técnica de Ulrich não era novidade
(quem não se arrepia com o desempenho do músico em One e Battery?), mas
a forma como o kit utilizado na gravação soava, era surpreendente. Algo
muito semelhante ao conseguido por Eric Carr em sua estreia pra valer
(sabemos que a raposa faria sua primeira gravação com o Kiss
em Music From The Elder) em Creatures of the Night (1982). Ulrich além
de ter encontrado um som que cobria a atmosfera sombria do pretinho,
conseguiu sublinhar as frases, riffs e o clima de todo o disco. Um
desempenho memorável. Talvez até hoje uma influência e uma boa lembrança
para tantos e tantos bateristas profissionais que começaram a se
aventurar no estudo do instrumento por aquelas épocas.
… E quando
todo mundo imaginava que a banda lançaria um disco melhor do que outro,
afinal a sequência que levaria ao pretinho é uma espécie de gradação à
perfeição, o Metallica
lança em 1996 o controvertido “Load”, disco que traria a banda despida
das características mais sujas e menos polidas do início de carreira,
para fazer um som mais cru, direto, objetivo.
Obviamente que os
fãs do mundo inteiro torceram o nariz para o disco. “Load” passava longe
das pretensões técnicas e os arranjos trabalhados do disco anterior e
trazia o Metallica
menos metal. Se ouvido como um disco de rock e tão somente um disco de
rock, “Load” não é tão ruim quanto dizem e pode figurar fácil na lista
de boas produções daquele ano. Acontece que depois da bolacha, em 1997, a
banda lança “Reload”, que na verdade era a sobra do “Load” (a ideia
inicial da banda era lançar o “Load” duplo, mas depois foram convencidos
a lançarem a continuação do disco no ano seguinte) e obviamente tinha a
mesma vibe: rock cru e menos ‘presepada’ (no bom sentido da palavra).
Depois
de um ótimo casamento com músicos da escola erudita, com arranjos
caprichados do maestro Michael Kamen, nasceu o S&M, projeto que se
não era inédito, trazia a banda americana unindo o peso dos cellos com
os das guitarras, com performances impecáveis, como na inédita “No Leaf
Clover”. Mesmo retomando um certo respeito (que talvez não tenha sido
abalado entre os fãs mais ortodoxos), a banda passava por problemas
internos, especificamente entre seus integrantes Hetfield e Ulrich,
considerados os polos opostos de um centro nervoso talentoso, vigoroso e
repleto de atmosferas, ora amplamente positivas e em alguns momentos
egocêntricas. O documentário (recomendadíssimo) “Some Kind of Monster”
mostra além da produção e concepção do disco mais controverso do Metallica,
“St. Anger” (2003), uma das histórias mais fascinantes sobre
personagens do mundo real do heavy metal. O mais cético irá dizer que na
verdade o que existe ali é ‘puro marketing’. Digo ao mais cético dos
céticos: marketing negativo não colabora com NADA. Principalmente quando
você expõe suas maiores mazelas sem a maior cerimônia, sem temor de ser
julgado por atitudes que, vistas fora de um contexto, podem ser
ambiguas.
Nesta história, até aqui resumida, de tantos
ingredientes que causam fascínio em quem se amarra em lendas do rock, um
fator corria de forma periférica, sem gerar debates ou maiores
discussões: a regressão técnica de Lars Ulrich. Se diga que o baterista
está acompanhado do melhor baixista (tecnicamente falando) que passou
pela formação do Metallica.
Trujillo é um monstro e é uma pena que seu trabalho apareça pouco nos
discos, engolido pela parede de guitarras e suas distorções.
O
músico, conhecido por sua personalidade irritante e egocêntrica, sempre
foi referência no mundo do metal. Respeitado até por bateras melhores do
que ele, caso por exemplo do ex-baterista do Dream Theater,
Mike Portnoy, que sempre se referiu ao dinarmaquês, como um dos
bateristas mais pesados que conhecera. Se em “Kill em All”, “Ride The
Lightning”, “Master of Puppets e “… And Justice for All” estávamos
escutando um músico, não apenas preso à agressividade do estilo, e no
“pretinho”, Ulrich foi aos limites da perfeição, desde Load, esse mesmo
músico optou por conduções simples, kits menores e diluição do peso
sempre empreendido no som da banda.
O curioso é que, desde então,
mesmo com belíssimas canções no repertório, a banda não optou mais por
arranjos tão imensamente sofisticados como nos discos citados no
parágrafo anterior. Mesmo no ótimo “Death Magnetic” (2008), Ulrich
mantem o som cru e não tão imponente.
Essa constatação poderia
partir apenas da decisão do músico em tocar de forma mais simples e nem
tanto avassaladora, ao menos em estúdio. No entanto, quem assistiu a
banda ao vivo recentemente, percebeu que o músico não tem a mesma pegada
dos anos anteriores e talvez (eu disse talvez) esteja reduzindo o
potencial da banda para canções que mantivessem o ingrediente thrash
metal. De tão massacrado que foi, “St. Anger” traz um dos piores
desempenhos do músico, em arranjos de bateria de gosto impróprio. Tais
escolhas nunca foram devidamente explicadas. O “som de lata”, como ficou
mundialmente conhecido, trouxe uma decepção enorme para os fãs. Outros
bateristas profissionais economizaram em comentários e o quarteto
raramente inclui canções suas em turnês recentes, o que é uma prova
clara que a própria banda não avaliza tais canções (ao menos agora) e
que o público não é muito cativado pela fase ‘não-sei-o-quê’ do Metallica.
Poucas
vezes se viu na história da música, por parte de um músico profissional
tão famoso e renomado, uma regressão técnica audível e visível. Você
pode até achar um exagero e eu sei que os fãs do músico, justamente pela
paixão, se negarão a enxergar qualquer tipo de declínio, no entanto, a
constatação mais crua a respeito de tal queda se averigua na audição dos
discos; desde mudanças de timbres, equalização mais fechada e compacta,
até agudos insuportáveis, no caso das opções do St. Anger, até uma
bateria mais reta e sem quebradas, tornando-o um músico quadrado e
comum, muito longe daquele que um dia foi influência para centenas de
músicos ao redor do mundo.
Acomodação? Doença? O que faz um músico
desistir de progredir? Ele desistiu? Sinceramente: acho que estas
perguntas não terão respostas, apenas suposições. Que sejam. Torcemos
para que Lars volte a ser Ulrich. E vice-versa.
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